Autor: Leonardo Rodrigues Tupinambá1
Mais uma vez reverbera no cenário da geopolítica mundial o desejo externado pelo presidente estadunidense Donald Trump, sem maiores pudores, de anexar ao território de sua nação a Groenlândia, maior ilha do mundo, sita entre os Oceanos Atlântico e Ártico, que se consubstancia ainda hodiernamente2 como uma região autônoma do Reino da Dinamarca, país aliado dos Estados Unidos e um dos membros fundadores da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Nas suas declarações, justificadas por questões estratégicas (segurança nacional)3 mas que não ocultam totalmente o viés dos interesses econômicos, o mandatário não descarta o uso de força econômica e até militar4 para assumir o controle da ilha, embora assinale que prefira a compra do território (mesmo que ele não esteja à venda e se encontre em meio a discussões sobre a independência plena).
Anote-se, por oportuno, que a Groenlândia, durante a Segunda Guerra Mundial, separou-se de fato, tanto social quanto economicamente, da Dinamarca, então sob o domínio da Alemanha nazista, aproximando-se à época dos Estados Unidos que assumiram à defesa e o controle da ilha, de 1941 a 1945, como forma de proteger a América do Norte de investidas hostis. Com o fim do conflito, o presidente estadunidense Harry Truman tentou, pela primeira vez, a compra da Groenlândia junto a Dinamarca, que retomou seu domínio, pela quantia de 100 milhões de dólares, oferta, contudo, recusada.
Historicamente, não é a primeira vez que os Estados Unidos se interessam por uma ilha relacionada com a Dinamarca. Seguem os fatos:
A Dinamarca já teve uma colônia no Caribe, composta por três ilhas (São Tomás, São João e Santa Cruz), com o nome de Índias Ocidentais Dinamarquesas ou Antilhas Dinamarquesas, que perdurou de 16725 até 1917. A economia das Antilhas Dinamarquesas era dependente da escravidão. Tempos após uma rebelião na qual os escravos africanos assumiram a Ilha de São João por seis meses e só foram derrotados com a ajuda dos franceses de Martinica, a escravidão foi oficialmente abolida nas ilhas (idos de 1848), levando ao colapso econômico de suas plantações de cana-de- açúcar, principal cultura, seguida do cultivo de algodão e de índigo.
No ano de 1852, a venda da colônia, considerada como cada vez mais inútil e insustentável, já era debatida no Parlamento Dinamarquês, seguindo-se daí tentativas de vendê-la durante o final do Século XIX e início do Século XX aos Estados Unidos, mas também, segundo alguns, ao Império Alemão.
Com efeito, os Estados Unidos, em 1867, chegaram a firmar com a Dinamarca um acordo de venda que nunca foi cumprido, bem como, em 1902, um tratado preliminar com o mesmo objetivo que acabou sendo derrubado por uma apertada votação no Parlamento Dinamarquês. O Império Alemão, por seu turno, desde o final do século XIX, vinha demonstrando, através de propostas malsucedidas por outros territórios (Curaçao e Ilha Margarita, por exemplo), interesse em criar uma estação de carvão em algum lugar do Caribe para reabastecer seus navios de guerra, ampliando assim o alcance de suas operações.
Em 12 de dezembro de 1916 as ilhas foram finalmente vendidas aos Estados Unidos pela quantia de 25 milhões de dólares em moedas de ouro, aproximadamente 587 milhões de dólares em valores atualizados, sendo renomeadas como o território das Ilhas Virgens Americanas6 após o fim da administração dinamarquesa, oficialmente encerrada em 31 de março de 1917. Ao tempo do negócio, a peça de 20 dólares conhecida como “Double Eagle Saint-Gaudens” era a moeda dos Estados Unidos cunhada em ouro com a maior quantidade do metal precioso, por conseguinte, de maior cifra.
A concretização da compra norte-americana foi impulsionada pelo temor de que as ilhas pudessem ser apreendidas pelo Império Alemão como base submarina no decorrer dos eventos da Primeira Guerra Mundial, afora sua proximidade ao Canal do Panamá. Dito temor em nada foi descabido vez que, ao longo de fevereiro e março de 1917, submarinos alemães alvejaram e afundaram vários navios mercantes e de passageiros ianques em águas internacionais, situação estopim para deflagrar a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.
No seu período de colônia dinamarquesa as ilhas chegaram a ter sua própria moeda (rigsdaler, bits e cents),7 emitidas desde 1740 até as décadas iniciais do século XX. O dólar americano, por seu turno, só foi por lá adotado em 1934, 07 anos depois que seus habitantes receberam a cidadania dos Estados Unidos (1927). A despeito disso, moedas de quarto de dólar, do ano de 1849, bem assim peças de meio dólar, dos anos de 1848 a 1850, chegaram a circular contramarcadas na região quando ainda sob domínio dinamarquês. A contramarca era o monograma coroado de Frederico VII, rei da Dinamarca de 1848 até sua morte, ocorrida em 1863.




Em suma, apesar das evidentes diferenças de tempo, de localização e de potencial econômico, hábeis a inspirar desfechos diversos, tanto as Ilhas Virgens Americanas quanto a Groenlândia podem ser tidas como “ilhas do tesouro”. As Ilhas Virgens Americanas porque custaram ouro. A Groenlândia porque esconde ouro, ainda que negro.8 Explica-se essa última afirmação: estimativas insinuam que a região da Groenlândia abrigue 13% das reservas de petróleo não descobertas do mundo, significando que o território, por muitos apelidado de “Tesouro do Ártico”, pode gerar até 90 bilhões de barris de petróleo, 47,2 bilhões de metros cúbicos de gás natural e 44 bilhões de barris de gás natural liquefeito (GNL), segundo o próprio Serviço Geológico dos Estados Unidos. Não bastasse isso, a região também possui vastos depósitos de minerais – carvão, ferro, zinco, chumbo, molibdênio, diamantes, ouro, platina, nióbio, tantalita e urânio – que são vitais para a fabricação de aparelhos eletrônicos e baterias, entre outros fins.
Moral da história: “A vitória está reservada para aqueles que estão dispostos a pagar o preço” (Sun Tzu) – e se a remuneração ou o ganho orbitar em torno de ouro, tanto melhor.
1 Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.
2 Durante o século XX a Groenlândia evoluiu paulatinamente de mera colônia para parte integrante (estado) da Dinamarca até alcançar, em 1979, a condição de região autônoma. Desde 2008 conta com um corpo governante próprio.
3 Basta dizer que a Groenlândia está localizada na rota mais curta da América do Norte para a Europa pelo que a maior parte dos mísseis balísticos intercontinentais que podem ser lançados da Rússia em direção aos Estados Unidos ou vice-versa, sobrevoariam, necessariamente, seu território.
4 Pontue-se que já existe contingente militar estadunidense na Groenlândia, porquanto, desde 1951, em consequência de um tratado, pode os Estados Unidos utilizar o território. Mercê disso, resta implantada no noroeste da ilha, à menos de 1.600 quilômetros do Polo Norte, a Base Espacial de Pituffik, dantes conhecida como Base Aérea de Thule, cuja estrutura de radares constituem um importante centro de alerta antecipado para o sistema de defesa antimísseis americano cuja base fica em Washington.
5 A Companhia Dinamarquesa das Índias Ocidentais anexou a ilha desabitada de São Tomás em 1672 e a de São João em 1675. Em 1733, a Ilha de Santa Cruz foi comprada a partir da Companhia Francesa das Índias Ocidentais. Quando as companhias foram a falência o então Reino da Dinamarca e Noruega assumiu o controle direto do arquipélago.
6 Ou Ilhas Virgens dos Estados Unidos vez que sua nomenclatura em inglês é “United States Virgin Islands”.
7 5 bits equivaliam a 1 cent enquanto 1 rigsdaler de prata equivalia a 100 cents.
8 Não se olvide que o petróleo também é conhecido como “ouro negro”.
REFERÊNCIAS:
BRUCE II, Colin R,; CUJAH, George S. Standard Catalog of World Coins: 1701-1800. 3. ed. Iola, Wisconsin: Krause Publications, 2002.
CARLTON, R. Scott. The International Encyclopedic Dictionary of Numismatics. Wisconsin: Krause Publications, 1996.
CUJAH, George S.; MICHAEL, Thomas. Standard Catalog of World Coins: 1901-2000. 40. ed. Iola, Wisconsin: Krause Publications, 2012.
GRONELÂNDIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gronel%C3%A2ndia. Acesso em: 20 jan. 2025.
ÍNDIAS OCIDENTAIS DINAMARQUESAS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndias_Ocidentais_Dinamarquesas#:~:text=As%20%C3%8Dndias%20Ocidentais%20Dinamarquesas%20(em,Cruz%20(220%20km2). Acesso em: 20 jan. 2025.
TRATADO DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS DINAMARQUESAS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Treaty_of_the_Danish_West_Indies. Acesso em: 20 jan. 2025.
FONTES DAS IMAGENS:
Figura 1: @ Heritage Auctions. Acessível em: https://en.numista.com/catalogue/pieces20170.html.
Figura 2: @ Heritage Auctions. Acessível em: https://en.numista.com/catalogue/pieces382132.html.
Figura 3: @ United States Mint. Acessível em: https://en.numista.com/catalogue/pieces8126.html.
Figura 4: @ Heritage Auctions. Acessível em: https://coins.ha.com/itm/saint-gaudens-double-eagles/1916-s-20/a/226-7921.s.